sexta-feira, 26 de abril de 2024

Românticos iludidos, hipócritas e cínicos – por Gustavo Falcón

Um dos presos da Lava Jato, Marcelo Odebrecht, saiu-se com uma frase tão cínica quanto surpreendente a respeito da corrupção endêmica no Brasil. No seu entender, ela integra a cultura política brasileira.

É bem provável que um executivo tão ocupado quanto enigmático nunca tenha lido Raimundo Faoro ou Paulo Prado, o que recomendo para ocupar o tempo ocioso na cadeia. Tanto “Os Donos do Poder” quanto “Retrato do Brasil”, aliás escrito por um dandy, são obras esclarecedoras do estado patrimonialista, que desconhece a fronteira entre o público e o privado, e da alegada alma degradada do brasileiro.

O ex-governador da Bahia, Jacques Wagner (PT), já havia se reportado a explicação semelhante, atribuindo ao sistema de financiamento das campanhas a culpa pela roubalheira de recursos públicos. Uma maneira pragmática de livrar o seu e o de outros da ferrada da Justiça, despersonalizando o crime eleitoral e sua fonte de alimentação: a corrupção.

São, no entanto, constatações de dois personagens de projeção e que merecem, no mínimo, reflexão. Sugerem que a culpa escapole dos protagonistas para centrar-se numa máquina acima de vontades e interesses.

Dada a escala vultosa mensurada até aqui, tal raciocínio transforma o PCC e o Comando Vermelho em fichinhas do mundo do crime e a Operação Lava Jato numa ousada empreitada do bem contra o mal.

Quem leu Faoro e Prado sabe que mudanças estruturais não acontecem da noite pro dia, nem o estado e a cultura são coisas simples de se lidar. Por isso, a badalada Lava Jato por mais louvável que seja, não pode resolver, por si só, a corrupção moral da sociedade brasileira, nem o desvio regular de dinheiro no interior das administrações.

Para uma coisa, pelo menos, essa onda de moralização da Justiça curitibana serviu: manter acesa a chama da esperança do povo brasileiro, traído pelo PT, esquecido pelas outras legendas, abandonado pelo Congresso e estupefacto diante da inutilidade das conquistas democráticas, cujas consequencias visíveis são a crise e o desemprego.

Faltando três meses apenas para as novas eleições municipais, o povo terá que amargar mais esse rito de “me engana que eu gosto”, que parece ser parte de nossa alma, de românticos e iludidos que convivem com hipócritas e cínicos com uma naturalidade assustadora.

Gustavo Falcón é jornalista, escritor, doutor em História Social pela UFBA e consultor de Programas de Governo. Ele escreve sobre Política às segundas-feiras no Toda Bahia. E-mail: gustavo.falcon@todabahia.com.br

04 de julho de 2016, 10:00

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