sexta-feira, 26 de abril de 2024

Deus, homem e eros – por Davi Lemos

O que nos faz desejar Deus é o eros, esta força que nos impele a Ele, que pode ser traduzida em desejo, na compunção, no sentimento; coisas do corpo. Costumo dizer que o amor de Deus realiza-se em nós pelo eros, pois somos carne e jamais a carne foi desprezada, mas amada como condição da própria humanidade. Sim, também somos espírito, mas corpo; e o equilíbrio do humano não está em desejar ser somente espírito, como os anjos, ou somente matéria, como os animais. Imanência e transcendência são condições humanas.

Citei na última coluna o Cântico dos Cânticos, que expressa de forma corpórea o amor entre o divino e o humano. A amada, como comentei, deseja o Amado, na ânsia pelo beijo na boca. Certamente, não se pode negar, o cristianismo em alguns episódios de sua bimilenar história apresentou movimentos de rejeição ao corpo, mas os padres da Igreja, em sua maioria, foram contrários; tanto que, já no século II, os gnósticos foram vencidos, eles que acreditavam que o corpo era a criação de um deus mau.

Entretanto o eros sem a dimensão da entrega torna-se louco, uma espécie de “loucura divina” como diziam os gregos. Orientados pelo ágape, este amor de entrega, é educado. O desejo deve ser antecedido pela doação de si e tal movimento já nos cumula de êxtase. Essa relação de entrega mútua pode ser classificada como um “extase vertical”, que deve também, na vida humana, ser expresso em “êxtase horizontal”, quando entregamo-nos pelos outros, os semelhantes, os próximos, como ensinava Jesus Cristo. No cristianismo, estes dois êxtases podem ser simbolizados na cruz, quando verticalidade e horizontalidade unem-se.

São Bernardo de Claraval entendia que o pecado original era a introversão, a incapacidade para olhar além de si. Adão, dizia o santo, antes da queda, cultivava pensamentos contemplativos; com a queda, dobrou-se sobre si, tornou-se encurvado. Tal encurvarmento, podemos pensar, impediu que o outro fosse visto. O ágape, entretanto, não envenenaria o eros, mas o eleva à sua verdadeira grandeza, como ensinou recentemente o papa Bento XVI, na Encíclica Deus Caritas Est.

O corpo não ama sozinho, nem a alma ama sozinha. O homem é unidade e deve amar em sua integralidade. Nessa dimensão, Deus, puro espírito, fez-se Carne para unir-Se também corporalmente ao homem: Deus também assumiu o eros, vestiu-Se do mesmo desejo que fecundou no humano. É assim que o eros é celebrado entre Deus e o ser humano. O amor de Deus realiza-se em nós pela via erótica.

Davi Lemos é jornalista. Trabalhou no jornal A Tarde, na Tribuna da Bahia, no Correio da Bahia e cobriu as eleições de 2010 pelo Portal Terra. Foi assessor da Comissão de Cultura da CNBB. Ele escreve mensalmente sobre Religião no Toda Bahia. E-mail: davi_lemos@hotmail.com

20 de março de 2017, 09:52

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