sexta-feira, 26 de abril de 2024

A Lei anticorrupção e a cultura da empresa brasileira, por Tiago Ayres

É fato que a corrupção é um elemento que de há muito integra a história do Brasil, seja no interior da própria administração pública, seja em meio às suas relações com os particulares, especialmente com empresas que mantêm ou desejam manter relação contratual com o poder público.

Tal fato, inclusive, não passou despercebido ao arguto crivo do padre Antônio Vieira, que em seu O Sermão do Bom Ladrão, escrito em 1655, e proferido na Igreja da Misericórdia de Lisboa, perante D. João IV e sua corte, vaticinou que o Brasil (então colônia do Império ultramarino português) seria uma terra em que se conjugaria o verbo “rapio” (furtar) por todos os modos.

É bastante crível certo dom premonitório da parte do Padre Vieira, afinal, o cenário, à época, antevisto, indubitavelmente fez-se rotina em tempos de hoje, moldando as relações, nem sempre ortodoxas, entre a administração pública e empresas com as quais mantém vínculo negocial.

Mas o cenário, sem dúvida alguma, tem dado claros sinais de mudança. E todos (em especial a iniciativa privada que mantém negócios com o poder público) devem estar muito vigilantes ao que se pode denominar de desafiadora mudança de cultura.

As últimas operações da Polícia Federal, que resultaram em prisões de membros do mais alto escalão de gigantescas empresas brasileiras, que mantém ou buscam celebrar (participando de licitações) negócios com a administração pública, são um bom indicativo de tal transformação. Mas nenhum fato é tão revelador dessa nova cultura de intolerância com a corrupção quanto a promulgação da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13).

Essa lei funda uma nova lógica de responsabilização pela prática de atos de corrupção, com inspiração nas práticas inglesas (Uk Bribery Act) e norte-americanas (Foreign Corrupt Pratices Act), passando a admitir seja atingido diretamente “o bolso” das empresas surpreendidas praticando atos de corrupção contra a administração pública nacional ou estrangeira, além de assinalar a sanção de extinção da pessoa jurídica corruptora.

A Lei Anticorrupção responsabiliza a pessoa jurídica, estabelecendo a sua responsabilização objetiva, independentemente da responsabilidade pessoal do membro da empresa, que será tratada no ambiente penal, administrativo, disciplinar ou civil, cujas sanções serão conforme a culpabilidade dos seus dirigentes ou administradores.

Assim, por exemplo, segundo os termos da lei, toda empresa que prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público ou a terceira pessoa a ele relacionada; comprovadamente financiar, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos nela previstos; frustrar ou fraudar licitações, procurar afastar ilicitamente concorrentes; manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; dificultar a investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos; se valer de interposta pessoa para dissimular seus reais interesses, poderá submeter-se a duras sanções.

Na esfera administrativa, exemplificativamente, podem ser aplicadas multas à empresa no valor de 0,1 (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação. Inclusive, quando não seja possível se valer do critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).

Já na esfera judicial, as sanções podem consistir em perdimento dos bens, direitos ou valores que representem a vantagem obtida da infração; suspensão ou interdição parcial de suas atividades; dissolução compulsória da pessoa jurídica; proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1(um) e máximo de 5 (cinco) anos.

Vê-se, destarte, que o combate à corrupção passa a ter lugar de destaque na agenda brasileira, e a Lei Anticorrupção, de maneira inovadora, sublinha a possibilidade de gravíssimas sanções para empresas corruptoras. Daí a máxima urgência de mudança de cultura por parte das empresas que atuam junto à administração pública.

Tiago Ayres é advogado, mestre em Direito Público pela UFBA, professor da Pós-graduação em Direito Público da Faculdade Baiana de Direito e sócio do Escritório Ayres e Catelino Advogados Associados. Ele escreve às terças-feiras no Toda Bahia sobre temas relevantes do Direito. E-mail: tiago.ayres@gmail.com

26 de maio de 2015, 13:00

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