sexta-feira, 26 de abril de 2024

A infidelidade do partido como a maior das traições – por Tiago Ayres

É pouco provável que se estude o Direito Eleitoral em dias de hoje sem que se pense, quase que automaticamente, no repisado tema da “fidelidade partidária”. Alçada à condição de causa autorizadora de perda de cargo eletivo por meio da Resolução do Tribunal Superior Eleitoral nº 22.610/07, da noite para o dia passoua ser objeto das preocupações de toda a classe política, figurando como tema certo nas discussões partidárias, haja vista a sua extraordinária acolhida pela sociedade e, especialmente, pela mídia nacional.

A Justiça Eleitoral baiana, como a dos demais estados, e também o Tribunal Superior Eleitoral, debruçam-se, com larga frequência, sobre as inúmeras ações que têm como objeto a decretação da perda de cargo eletivo em razão da mudança de partido pelos mandatários.

Mas é preciso atentar-se para aspecto que parece ter passado despercebido em meio à empolgante discussão sobre o assunto. É que, da leitura da aludida Resolução, é possível extrair-se um claro recado dirigido aos partidos políticos que pode ser sintetizado da seguinte forma: não basta cobrar-se fidelidade dos mandatários às agremiações partidárias pelas quais foram eleitos, impondo-se, antes, fidelidade dos partidos a si mesmos.

Veja-se o que dispõe a referida Resolução neste particular, in verbis:

Art. 1º – O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

  • 1º – Considera-se justa causa:
  1. I) incorporação ou fusão do partido;
  2. II) criação de novo partido;

III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

  1. IV) grave discriminação pessoal.

Vê-se, portanto, que a discussão transmuda-se, revelando-se a idéia segundo a qual tão importante quanto se exigir fidelidade dos mandatários aos partidos políticos a que estão enfileirados, é cobrar-se fidelidade dos partidos a si mesmos, ou seja, às suas bandeiras e ideário, sob pena de se viabilizar – e justificar – a mudança de partido.

Da mesma forma que o partido político pode tentar obter o mandato de quem dele se desgarrou sem justa causa (infidelidade partidária), também está autorizado a migrar para outro partido aquele mandatário que detectar, e provar, por meio do devido processo legal de justa causa, a atuação reiterada do seu partido de origem em desconformidade substancial com o programa partidário, caso em que se estará diante de flagrante infidelidade do partido.

Essa é uma leitura que deve ser introjetada pelos partidos políticos. É fundamental que com a mesma energia com que os partidos buscam judicialmente a decretação da perda do cargo eletivo daquele que migra para outra agremiação, também se empenhem na tarefa de implementar verdadeiramente o seu próprio conteúdo programático, concretizando-o diariamente nas suas manifestações nos mais variados espaços de debate público.

A discussão da fidelidade partidária não pode se apequenar, restringindo-se tão somente aos casos em que os ocupantes de cargos eletivos mudam injustificadamente para outros grêmios políticos.

É necessário alargar o espectro para compreender que há uma missão muita mais elevada: os partidos devem figurar, no sistema eleitoral brasileiro, como os principais catalizadores das diversas parcelas do pensamento nacional, e como tal, não podem delas se desviar, sob pena de configuração da infidelidade do partido aos seus próprios princípios, a maior das traições.

Tiago Ayres é advogado,  mestre em Direito Público pela UFBA, professor da Pós-graduação em Direito Público da Faculdade Baiana de Direito e sócio do Escritório Ayres e Catelino Advogados Associados. Ele escreve às terças-feiras no Toda Bahia sobre temas relevantes do Direito. E-mail: tiago.ayres@gmail.com

19 de maio de 2015, 07:30

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