sexta-feira, 19 de abril de 2024

Um rio que era doce, agora é lama – por Tatiana Matos

Na tarde da última sexta-feira (05) ocorreu o rompimento de duas barragens de rejeitos (Fundão e Santarém) em uma frente de lavra de propriedade da Samarco Mineração S/A, pertencente a Vale e à anglo-australiana BMP Billiton, em Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG).

Em linhas gerais, barragem de rejeito é uma estrutura de terra construída para armazenar resíduos de mineração, que resultam dos processos de beneficiamento de minérios. Em que pese o rejeito ser um material que não possui maior valor econômico, para salvaguardas ambientais o mesmo deve ser devidamente armazenado. A consistência do referido rejeito de minério de ferro é de uma lama fina que com o rompimento da barragem vem escoando pelo Rio Doce.

Não se pode deixar de registrar que o empreendimento era licenciado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), que por seu turno embargou todas as atividades da empresa no dia posterior ao acidente.

A suspensão emergencial das atividades da Samarco se deu no intuito de apurar as causas e as consequências do evento para a saúde da população e para o meio ambiente. A empresa somente poderá retomar as atividades após a apuração e a adoção de medidas de reparo dos danos provocados. E está apenas autorizada a desenvolver ações emergenciais, ou seja, aquelas voltadas para minimizar o impacto do rompimento das barragens e prevenir novos danos.

Esta é apenas uma ação inicial tendo em vista que o acidente provocou uma “onda”de rejeitos (água, lama e resíduos químicos) ao longo do curso do rio com seu completo comprometimento, independentemente de outras consequências, como mortes, desaparecimento de pessoas, inundações, destruição de casas e vilarejos inteiros, danos a fauna e a flora, danos ao patrimônio cultural, interrupção de captação de água em diversas cidades, atingindo diretamente não só o Estado de Minas Gerais como também o Espírito Santo.

A professora da Univale, Ivana Cristina Santos, assevera que após o acidente “hoje temos um rio sem vida. Um rio que não tem nenhuma forma de vida que consiga sobreviver a essa tragédia” e considera o Rio Doce como um rio morto.

O biólogo André Ruschi, destaca ainda que “toda a vida no rio está sendo eliminada praticamente em 100%. As espécies endêmicas desse rio estão extintas a partir de hoje”, acrescenta também que a concentração dos metais na cadeia alimentar pode levar até 100 anos para se dissipar, afinal, foram despejados no rio minerais como o cádmio, arsênio, mercúrio e cromo.

O Ministério Público de Minas Gerais, já instaurou um Inquérito Civil para apurar as causas, as consequências e os responsáveis pelo rompimento da barragem. O referido procedimento vai investigar se estavam sendo cumpridas pela empresa as normas técnicas e condicionantes exigidas pelo licenciamento ambiental, principalmente aquelas relativas à segurança.

O promotor de Justiça, Carlos Eduardo Ferreira Pinto, com convicção salienta que “ter licença ambiental não é salvo conduto para o empreendimento nem significa legalidade. Uma barragem de rejeitos não se rompe por acaso. Há motivação para isso”.

Continuaremos a escrever sobre esta tragédia na próxima semana. Contudo, é importante finalizar esta coluna ressaltando que no direito ambiental a responsabilização por eventuais danos ao meio ambiente é objetiva, ou seja, independe da existência da culpa, deste modo, quem exerce uma atividade potencialmente poluidora que implique em risco, como no caso da Samarco, assume a responsabilidade pelos danos oriundos do risco criado.

Tatiana Matos é advogada, mestra em Desenvolvimento Sustentável na UnB, professora, consultora e sócia-coordenadora da Área Ambiental no Escritório Romano Advogados e Associados. Ela escreve às quintas-feiras sobre Meio Ambiente no Toda Bahia. E-mail: tatiana-matos@uol.com.br

12 de novembro de 2015, 00:00

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