Trinta anos sem Borges – por Paulo Alencar
DE BUENOS AIRES – Por ocasião dos 30 anos da morte do escritor argentino Jorge Luis Borges, a revista do jornal “La Nación”, de Buenos Aires, dedicou no domingo passado (12/06) mais de uma dezena de páginas ao escritor. O que mais me chamou a atenção, além das fotos de época, foram quatro passagens que mostram Borges sendo Borges no seu melhor.
Na primeira delas, Borges encontra certa vez Peralta Ramos e o diálogo ocorreu assim:
– Você deve ser parente de Cotita Peralta Ramos…
– Não. Sou o pintor, o escultor, o poeta, o cantor e o trovador Federico Manuel Peralta Ramos.
– Caramba, como eu gostaria de ser alguma dessas coisas.
De outra vez, num café da capital argentina, um homem chega para Borges e diz:
– Eu faço música de protesto.
– Como o admiro. Eu não me animo nunca a protestar.
Roberto Altifano, que durante dez anos foi uma espécie de secretário, escudeiro e amigo de Borges, recorda que um jovem seminarista e professor de Literatura chamado Jorge Bergoglio visitava de vez em quando o escritor, no seu apartamento da Calle Maipú. O hoje Papa Francisco pedia a Borges para dar uma aula no colégio onde ele ensinava. Borges chegou a comentar com Altifano:
– Tem um jesuíta que está empenhado em ensinar minha poesia em suas aulas de Literatura. Ainda não consegui dissuadi-lo. Com ele podemos falar de muitas coisas. Mas também tenho notado e é alarmante que tenha tantas ou mais perguntas do que eu.
Na tarde do dia 27 de novembro de 1985, véspera de sua partida da Argentina, Borges foi conduzido de carro para a exposição onde estariam à venda as primeiras edições de suas obras. No trajeto, houve muitas brincadeiras e a motorista foi sincera ao dizer que nunca havia lido uma obra dele.
Já considerado em vida o maior escritor argentino. Borges simplesmente respondeu:
– Felicito-a por sua sinceridade. As pessoas geralmente inventam. Que bom que tenha feito assim.
Como se sabe, Jorge Luis Borges morreu em 14 de junho de 1986, em Genebra, na Suíça, e foi enterrado a poucos metros da tumba de João Calvino.