sexta-feira, 29 de março de 2024

Para Eduardo Cunha, a melhor defesa – por Tiago Ayres

Acabo de sair de audiência pública realizada na seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil. Em pauta, dentre outras relevantes questões, eventual eliminação do exame de Ordem, e, conforme destacado pelo deputado federal Uadi Bulos, ex-presidente da OAB/RJ, o desapreço do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Quando soube que comporiam a mesa, dentre muitas ilustres presenças, o presidente da OAB/BA, Luiz Viana Queiroz, por quem nutro profunda admiração, e Celso Castro, meu mestre, com quem convivi alguns anos da minha vida e experimentei as mais valiosas experiências profissionais, não hesitei em convidar minha irmã, Mariana, recém ingressa na Faculdade de Direito, para viver a experiência de colher as impressões de duas das mais finas inteligências sobre o invulgar momento da advocacia brasileira.

O ponto alto dos debates foi a avaliação da descomunal energia empreendida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, no propósito de eliminar o exame da Ordem dos Advogados como requisito para a habilitação profissional dos bacharéis em Direito na atividade advocatícia, sem dúvida, uma grave ameaça à cidadania.

O meu juízo sobre o presidente da Câmara já foi lançado em outra oportunidade. Afirmei que, tal qual fizeram os pilotos kamikazes contra navios aliados no final da Segunda Grande Guerra realizando ataques suicidas, o objetivo de Cunha é levar aos ares da República não só os destroços da economia brasileira, mas também as migalhas de esperança dos brasileiros de poderem contar, no atual momento de crise institucional, com agentes públicos verdadeiramente comprometidos a contribuir para a sua superação.

Fato é que o atual presidente da Câmara é autor de um Projeto de Lei (2.154/11) que tem o objetivo de extinguir o exame para o exercício da profissão de advogado. Mas qual a razão para tanto? Certamente a mesma que o orienta a tocar a tal “pauta bomba”: a satisfação dos seus desejos pessoais.

Conforme noticiou a imprensa, o projeto de lei foi apresentado por Cunha após ter sido destituído da função de relator da proposta do novo Código de Processo Civil, na qual enfrentou forte resistência da OAB por não ter formação jurídica. Na justificativa, Cunha afirmou que a obrigatoriedade do exame é absurda e enseja um indevido controle pelas universidades de uma carreira, com poder de veto.

Destacou o deputado federal Uadi Bulos, que o exame de ordem está longe de ser um instrumento corporativo, uma caixa fechada, figurando, antes, como meio adequado ao controle de qualidade para o exercício da advocacia, essencial à concretização da cidadania.

Ensina Francisco Vani Bemfica, na conhecida obra “O Juiz. O Promotor. O Advogado: seus poderes e deveres”, que “a advocacia, bem exercida, é um poder; mal exercida, uma vergonha”. Nessa perspectiva, toma corpo a imprescindibilidade do exame de ordem, que está longe de ser um concurso, figurando apenas como um controle mínimo de qualidade dos cidadãos que desejam fazer da defesa dos interesses e direitos dos seus pares o seu ofício.

A pregação do fim do exame de ordem é, sem dúvida alguma, um inequívoco desvio da vontade constitucional, que alça a advocacia, em seu art. 133, à condição de atividade indispensável à administração da justiça.

Fora de dúvida que não há outra forma de se viabilizar a indispensabilidade da advocacia ao sistema de justiça senão por meio da sua atuação qualificada.

Em um estado democrático de direito, de nada valerá um Poder Judiciário bem adjetivado, um Ministério Público virtuoso, se a Advocacia for marcada por vacuidade qualitativa.  A cidadania somente é plena quando se tem a certeza de que, uma vez configurada a ameaça ou efetiva lesão a seus direitos, o cidadão possa contar com advogados preparados tecnicamente para o múnus da defesa.

Como bem destacado pelo ex-presidente da OAB/RJ, não faltam razões para Cunha se preocupar em contratar bom advogados, afinal, está se aproximando o tempo de colher os frutos da sua questionável semeadura.

Entretanto, como disse o professor Celso Castro, apesar da malfazeja obra de Eduardo Cunha, que insiste em resolver as suas frustrações pessoais ao custo da própria cidadania, “por menos que eu simpatize com o presidente Cunha, eu lhe desejo a defesa mais ampla, todas as garantias, inclusive de um advogado aprovado pelo exame da Ordem dos Advogados do Brasil”. O que Cunha mais combate é o que ele mais precisa: uma advocacia altamente qualificada.

Tiago Ayres é advogado, mestre em Direito Público pela UFBA, professor da Pós-graduação em Direito Público da Faculdade Baiana de Direito e sócio do Escritório Ayres e Catelino Advogados Associados. Ele escreve às terças-feiras no Toda Bahia sobre temas relevantes do Direito. E-mail: tiago.ayres@gmail.com

01 de setembro de 2015, 07:30

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