quinta-feira, 18 de abril de 2024

O impeachment que queremos e o povo que somos – por Tiago Ayres

Deixe-se claro, logo de saída, que nesta brevíssima reflexão, nenhum juízo se fará sobre o destino que se deve reservar, ao final de todo o processo de Impeachment, à presidente da República. Se os atos a ela imputados configuram, ou não, crime de responsabilidade, aptos ao regular desenvolvimento do processo de impedimento, e, principalmente, à sua máxima condenação política, é uma avaliação que, não obstante a sua sensível relevância, para a mensagem que ora se deseja transmitir, figura como elemento coadjuvante.

Sem rodeios, deve-se ter na retentiva que o impeachment que escolhermos espelhará o povo que somos. Todos são desejosos de um Ministério Público e Polícia Federal cada vez mais fortes, mas não se identifica, com igual intensidade, a vontade de que o Estado de Direito, compreendido como um constante estado de constitucionalidade, seja robustecido.

A vontade constitucional, construída a partir de um diálogo constitucionalmente responsável, cada vez mais arejado e democrático, não pode ser plasmada ao sabor do justiçamento político. É dizer, nenhum propósito – por mais que alguém o entenda dos mais relevantes – autoriza o apoucamento, o aviltamento do estado constitucional das coisas.
A sociedade brasileira, não se tem dúvida, está ávida por moralização da vida pública, tanto dos agentes públicos, como dos privados que mantêm relações com o Poder Público, mas precisa compreender que o controle da legalidade (melhor, juridicidade), começa pela exigência de que não haja manipulação das opções constitucionais que ela mesma – sociedade – escolheu.

Assim, nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF), partícipe especial deste grande diálogo constitucional, sublinhará a inegociável necessidade de se respeitar as caras regras democráticas, que não se coadunam com exercício secreto de pensamento político, reconhecendo, por conseguinte, a imprescindibilidade do voto aberto para a escolha dos membros da comissão especial, bem assim que toca ao Senado Federal a última palavra sobre a eventual condenação e aplicação da sanção de impedimento, ensejando a perda do cargo, com inabilitação, por 8 anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (art. 52, parágrafo único, da CF/88).

Ora, a hipótese de se declarar o impedimento de um presidente da República para o exercício do mandato só perde em magnitude para o ato do cidadão de escolher, por meio do regular processo constitucional eleitoral, o seu presidente. Sendo assim, tal qual as duas faces de uma mesma moeda constitucional e democrática, tais relevantes processos – eleição e impedimento – devem ser igualmente alinhados aos valores constitucionais. Nesse rumo, não se espera outra coisa do STF senão o resguardo de um devido processo substancial de impedimento, com as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

O ordenamento reserva regimes jurídicos distintos para hipóteses variadas de ilícitos que podem ser atribuídos ao presidente da República, podendo daí resultar a perda do mandato, a cassação do seu diploma ou a perda da função pública, mas ao disciplinar os chamados “crimes de responsabilidade”, em seu art. 85, como atos do presidente da República que “atentem contra a Constituição”, exige-se mais, algo como o absoluto e inequívoco reconhecimento do desapreço do presidente pela Ordem Constitucional. Algo de extraordinária gravidade e que, por isso mesmo, pressupõe um processo de impeachment constitucionalmente comprometido.

Quarta-feira, sim, será um dia histórico, muito menos pelo o que se dirá dos nossos políticos, e mais, muito mais, pela maneira como decidiremos – através desse destacado ator social que é o STF – o impeachment que queremos. E ao fazer essa escolha, diremos muito sobre nós e sobre o nosso estágio de maturidade institucional.

Tiago Ayres é advogado, mestre em Direito Público pela UFBA, professor da Pós-graduação em Direito Público da Faculdade Baiana de Direito e sócio do Escritório Ayres e Catelino Advogados Associados. Ele escreve às terças-feiras no Toda Bahia sobre temas relevantes do Direito. E-mail: tiago.ayres@gmail.com

15 de dezembro de 2015, 07:00

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