quinta-feira, 28 de março de 2024

Muito além de Deus e do diabo – por Luiz Ruffato

O excelente artigo de Juan Arias, publicado no dia 3 de janeiro, chama a atenção para o crescente aumento da importância dos pentecostais e neopentecostais na política, que começou de maneira discreta na década de 1990, ganhando força ao longo dos anos seguintes até se tornar fundamental no balcão de negócios em que se transformou o Congresso Nacional. Hoje, a bancada evangélica, composta por 87 deputados federais e três senadores, conquistou poder suficiente para determinar o rumo das discussões que preocupam a população brasileira, contribuindo de maneira cabal para o conservadorismo moral e a hipocrisia social que vem caracterizando o país.

Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de evangélicos cresceu 61,5% entre 2000 e 2010, passando a representar 22,2% do total da população, contra 64,6% dos católicos. Com seu assistencialismo e sua fé de resultados, algumas das denominações tornaram-se verdadeiros fenômenos. A participação política de pentecostais e neopentecostais ganhou maior visibilidade a partir da aliança estratégica com o PT, no começo do século XXI, apoio que possibilitou a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República em 2002, após três derrotas consecutivas. Um dos aliados mais importantes do PT, na época, foi a Igreja Universal do Reino de Deus, chefiada por Edir Macedo, que em 2005 fundou o Partido Municipalista Renovador, hoje Partido Republicano Brasileiro (PRB), ao qual era filiado o vice de Lula, o católico José de Alencar, que exerceu papel essencial na aproximação do empresariado e dos evangélicos com o petista.

O PRB funciona informalmente como o braço político da Igreja Universal. Nas últimas eleições municipais cresceu 33% em relação ao desempenho em 2012, elegendo 106 prefeitos, inclusive Marcello Crivella, que encontra-se agora à frente da segunda mais importante cidade do Brasil, o Rio de Janeiro. Crivella, cantor de música gospel com mais de uma dezena de discos gravados e senador, já foi ministro na administração Dilma Rousseff. Além disso, o partido possui uma bancada formada por 23 deputados federais, entre eles o mais votado do país, Celso Russomano, com 1,5 milhão de votos, candidato derrotado à Prefeitura de São Paulo em 2016. Mas, para provar que os evangélicos não têm outros interesses que não os próprios, o PRB desembarcou do governo petista diretamente para o governo do presidente não eleito, Michel Temer. O titular do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Marcos Pereira, foi diretor da TV Record do Rio de Janeiro entre 1995 e 1999, e vice-presidente da Rede Record de Televisão, entre 2003 e 2009.

Fundada em 1977, a Igreja Universal conta hoje com cerca de 12 mil pastores, sete mil templos e quase sete milhões de seguidores no Brasil, e outros quase dois milhões de fiéis espalhados por mais de uma centena de países, segundo estimativas da própria entidade. Sua receita é estimada em cerca de R$ 1,4 bilhão de reais por ano – mas não há qualquer controle sobre esse valor, já que por lei as instituições religiosas estão isentas de impostos. Além dos fiéis, a Igreja Universal controla a Rede Record, que cobre 93% do território nacional e está presente em 150 países, a TV Universal, com mais de 20 retransmissoras, e a Rede Aleluia, que possui quase oitenta emissoras de rádio AM e FM, presente em 75% do território nacional. Faz parte ainda do grupo o portal universal.org., o jornal Folha Universal, as revistas Plenitude, Obreiro de Fé e Mão Amiga, a editora Unipro, que registra milhões de exemplares vendidos de livros de Edir Macedo e de outros pastores, e a gravadora Line Records, especializada em música religiosa.

Os evangélicos progridem onde se ausenta o Estado. Assim como os traficantes de droga. As periferias das cidades hoje estão divididas entre eles. O Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das maiores facções criminosas do Brasil, vem expandindo seus interesses para fora dos limites de São Paulo, onde nasceu, e já domina cadeias no Rio de Janeiro, Maranhão, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. A mais recente investida, segundo parece, resultou em um massacre de 56 presos em Manaus (AM). Ambos os grupos almejam o mesmo objetivo: ampliar as suas hordas. Assistimos impotentes à ampliação do fanatismo e da violência, que hoje se encontram infiltrados no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Em nome de Deus, uns, e do Diabo, outros, pouco a pouco submetem o que resta do Brasil.

08 de janeiro de 2017, 12:00

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