sexta-feira, 29 de março de 2024

Em Fátima, o mistério tornou-se concreto sob os olhos de crianças – por Davi Lemos

No próximo sábado (13), completam-se 100 anos das aparições de Nossa Senhora, em Fátima (Portugal). Para além de todos os mistérios sobre os três segredos revelados às crianças Lúcia de Jesus, 10 anos, Francisco Marto, 9, e Jacinta Marto, 7, algo é insistentemente reiterado pela Virgem: alguns devem entregar a vida em sofrimento para o benefício de muitos.

“Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido, e de súplica pela conversão dos pecadores?”, perguntou Maria aos pastorinhos. Diante da resposta afirmativa, acrescentou: “Ides, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto”.

Este diálogo entre a Mãe de Deus e as crianças poderia ser visto como abusivo. Na terceira aparição, em julho, por exemplo, as crianças ainda tiveram uma visão do inferno. Nada disso seria tolerado atualmente, pois logo diriam: esta não pode ser a doce Maria. Como assim falar de inferno para crianças? Isso não as deixou traumatizadas? De quantos anos de terapia precisarão?

Mas aquelas crianças aceitaram e ofereceram suas vidas: talvez somente a inocência tenha tornado-as capazes de tão grande sacrifício sem quaisquer recompensas. A não ser a recompensa do Céu – mas quem aceitaria prêmio tão incerto? Tanto hoje quanto em 1917, a descrença e o secularismo eram regra. Como entender? Francisco e Jacinta logo morreram após dolorosas enfermidades. Lúcia foi a depositária dos segredos, mas teve vida longa também marcada por sofrimentos.

Como dar a vida por uma multidão de desconhecidos, em sua maioria impenitentes e, tal como hoje, incrédulos? Lembre-se que a imprensa de época registrou os milagres, como o famoso Milagre do Sol, não por desejo de revelar uma atuação divina, mas para desmascarar aquelas crianças que traziam de volta uma mensagem considerada “medieval” – quando este termo era utilizado para designar atraso.

Como oferecer a vida por desconhecidos tendo certeza que pessoas próximas – os pais, os irmãos, etc – tanto sofreriam? Mas aquelas crianças ofereceram. Que pai entregaria os próprios filhos? Quem aceitaria sacrificar a inocência daquelas crianças em favor de uma turba de zombadores? Os pais aceitaram a decisão daquelas crianças.

As aparições em Fátima trazem-nos um sinal de esperança: o Céu preocupa-se ainda com os perdidos neste desterro. Interessa-se por nós. E um sinal de contradição: o inocente dá a vida pelos malfeitores. Alguns poucos sacrificam-se por muitos. Estes, os santos, são poucos em nosso meio, mas são ainda aqueles que nos inspiram, que dão-nos esperança. Não nos explicam tudo o que ocorre, pois nem mesmo eles entenderam, mas dão uma face concreta ao mistério.

Davi Lemos é jornalista. Trabalhou no jornal A Tarde, na Tribuna da Bahia, no Correio da Bahia e cobriu as eleições de 2010 pelo Portal Terra. Foi assessor da Comissão de Cultura da CNBB. Ele escreve sobre Religião no Toda Bahia. E-mail: davi_lemos@hotmail.com

09 de maio de 2017, 09:31

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