quinta-feira, 25 de abril de 2024

Chuck Berry, Raul Seixas e Marcelo Nova – por Pacheco Maia

E Chuck Berry usou a guitarra de Marcelo Nova em uma de suas apresentações no Brasil. A história já foi contada à imprensa pelo próprio dono do instrumento musical.

A equipe de um dos pais deste filho da puta chamado Rock and Roll (vá ter pai assim nas Mil e Uma Noites) exigiu um tipo de guitarra que a filha de Marceleza, trabalhando na produção do evento, lembrou que o pai tinha.

Marcelo já relatou em um artigo numa revista a glória de ver a sua guitarra empunhada por Chuck Berry, um dos deuses de uma epifania que lhe fora revelada ainda garoto no final dos anos 1950.

Não tinha nem 10 anos, quando, ele, passeando com os pais pela Rua Chile em Salvador, ouviu, ressoando de uma loja de discos o som daquele ritmo alucinante.

Alguns anos antes outro adolescente soteropolitano também já se encantara por aquela música que, ao contrário da bomba atômica, propagava uma nova maneira de encarar a vida. Por que não trocar as armas por guitarras e transformar a guerra numa festa?

Raulzito e seu irmão Plininho filavam as aulas do Colégio São Bento e iam pro Cantinho da Música ouvir Rock and Roll. Curiosamente essa loja também ficava na mesma região da epifania de Marceleza.

Raul Seixas e Marcelo Nova nunca se encontrariam naquela época, mas três décadas depois desses primórdios estariam juntos a celebrar esse tal de Roquenrou no antológico “A Panela do Diabo”, de 1989.

É neste disco, que verdadeiramente encarna no Brasil o mais puro espírito do filho da puta de uma música emprenhada por Arthur Big Boy Crudup, Chuck Berry, Little Richards, Elvis Presley, Jerry Lee Lewis, Muddy Walters, Johnny Cash, Bill Harley e cia, que está o hino “Rock and Roll”.

Nessa canção de Raulzito e Marceleza, a dupla confessa a devoção pelo ritmo alucinante: “‘Já dizia o Eclesiastes há dois mil atrás/Debaixo do sol não há nada novo/Não seja bobo, meu rapaz/Mas nunca vi Beethoven fazer/Aquilo que Chuck Berry faz/Roll over Beethoven/Tell Tchaikovsky the news”.

Sim. É ele mesmo: Charles Edward Anderson Berry, nascido em St. Louis, no Missouri (EUA). Ele se despediu da gente no sábado (18). Estava com 90 anos de uma vida humana demasiadamente humana. Não foi nenhum santo.

Nosso adorável Chuck Berry viu algumas vezes o sol nascer quadrado, devido a envolvimentos em roubos de carros e assaltos na adolescência. Também foi flagrado na companhia de uma garota de 14 anos nos fifties.

Teve ainda problema com os tiras nos anos 1990, quando numa batida em sua casa a polícia encontrou 62 gramas de maconha e vídeos de uma câmera que teria instalado no banheiro feminino de um restaurante de sua propriedade. Dessa vez, conseguiu se livrar da cadeia.

Mas, como disse o crítico John Pareles em artigo no New York Times no sábado (18), Chuck Berry foi “um inventor do Rock and Roll que entendeu o que os garotos queriam antes de eles (os garotos) mesmo saberem”.

Pareles sintetiza bem o som de Berry: “A música era brilhante e clara, um amálgama de country e blues. Mais de 60 anos depois, ainda soa ousada e audaciosa”.

Pois é, e, numa dessas ironias do destino, o dia da morte de Chuck Berry coincidiu com o lançamento da nova turnê do Camisa de Vênus. Na nova série de shows, a banda homenageia Raul Seixas e toca seus hits.

A apresentação de estreia foi no Circo Voador, no Rio de Janeiro, no último sábado. Esse local marcou o grande encontro de Marceleza e Raulzito nos anos 1980. Era show do Camisa e Raul foi ver a única banda de rock que, para ele, era a única que prestava no Brasil na época.

Pela primeira vez, os dois baianos estavam no mesmo palco e cantaram juntos justamente clássicos do “rockão antigo”, entre eles “Roll over Beethoven”, de Chuck Berry.

A guitarra, o disco, o show, a parceria e o Rock and Roll traduzido em baianês: “E pra terminar com esse papo/Eu só queria dizer/Que não importa o sotaque/e sim o jeito de fazer/Pois há muito percebi que/Genival Lacerda tem a ver/com Elvis e com Jerry Lee”.

Pacheco Maia é jornalista, vencedor do Prêmio Banco do Brasil de Jornalismo 2001 e escreve sobre mercado imobiliário desde 1998, quando iniciou na Gazeta Mercantil, onde atuou como correspondente até 2009. E-mail: pachecomaia05@gmail.com

20 de março de 2017, 12:40

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