sexta-feira, 29 de março de 2024

“Catta” Beatriz para explicar, pois a coisa tá Preta – por Tiago Ayres

Calma, Dra. Beatriz! O título não é uma mensagem cifrada. Aqui não existe qualquer propósito de ameaça-la veladamente… Também não se está sugerindo “catar” a colega para que seja coagida a dar explicações sobre as ameaças que teria sofrido e que justificariam o abandono dos seus clientes.

Se bem que a obrigação de esclarecer um assunto tão grave como esse, em que se alega ameaça ao livre exercício da advocacia (e, mais do que isso, ao próprio sagrado direito de defesa de todo e qualquer cidadão) deveria brotar naturalmente da consciência de todo advogado preocupado com a plena liberdade, indissociável do seu ofício, que em hipótese alguma pode ser ameaçado por quem quer que seja em um estado democrático de direito.

Vale um breve retrospecto do fato referido. Na edição de quinta-feira da semana passada (30) do Jornal Nacional, a advogada Beatriz Catta Preta informou que decidiu não mais assistir seus clientes na Operação Lava Jato porque se sentia ameaçada por membros da CPI da Petrobras. E que, por zelar pela segurança da sua família, adotou a mais drástica das decisões: fechar o escritório e encerrar a atividade de advogada.

Questionada sobre quais seriam os autores das alegadas tentativas de intimidação, Catta Preta explicou que viriam dos integrantes da CPI, “daqueles que votaram a favor da minha convocação”, declarou. A advogada disse, ainda, na entrevista ao JN, que não recebeu ameaças de morte diretas, mas sim de forma velada, cifradas.

Não se duvida da seriedade das afirmações da advogada, afinal, em meio a tantas práticas nada republicanas na história recente do Brasil, as ameaças seriam altamente cogitáveis. Entretanto, em meio a toda essa celeuma, um aspecto merece um cuidado ainda não dispensado pela mídia brasileira: o direito fundamental do cidadão defender-se perante o Estado, e poderosos de plantão, pode ter sido violentamente suprimido pelo comprometimento do seu elemento essencial, qual seja, a liberdade da advocacia.

Costumo dizer que ou há covardia ou há advocacia. Esses dois termos jamais poderão caminhar de mãos dadas. E quando a covardia se sobrepõe ao desassombro é sinal de que não se assegurou ao advogado as garantias necessárias ao exercício livre do seu mister. E é isso que se deve investigar. Mas não por meio de convocação da advogada pela CPI, medida prepotente e contaminada por torpe revanchismo.

O dever de esclarecimento deve partir, antes de mais nada, da própria advogada, que não pode privar a sociedade brasileira das informações que podem revelar uma agenda antidemocrática, por parte de algumas autoridades, com relação ao exercício constitucional de defesa que toca a todo cidadão brasileiro.

Se advogado é ameaçado, e, o mais grave, se tem que encerrar as suas atividades profissionais em razão de supostas ameaças oriundas de agentes políticos, é obvio que o assunto deixa de ser de ordem apenas privada e é alçado ao status de interesse público sensível.

A figura do advogado é de essencialidade notável no ambiente democrático. Em uma das mais extraordinárias obras do Direito, “Lê miserie del Processo Penale” (As misérias do processo penal), o jurista italiano Francesco Carnelutti, que foi titular das Universidades de Milão e Roma, além de ter sido um dos mais brilhantes advogados do seu tempo, ensina que: “A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: sentar-se sobre o último degrau da escada ao lado do acusado”.

Portanto, cara colega Beatriz, pelo bem da cidadania, que não se aperfeiçoa sem a advocacia qualificada pela liberdade, decodifique as ameaças, diga quem a retirou dos degraus em que se sentava ao lado dos seus clientes, dê nome aos algozes da democracia, pois, como diz Chico Buarque (que me libera dos queixumes dos politicamente corretos), “a coisa aqui tá preta, muita mutreta pra levar a situação”. Decifra, Catta Preta!

Tiago Ayres é advogado, mestre em Direito Público pela UFBA, professor da Pós-graduação em Direito Público da Faculdade Baiana de Direito e sócio do Escritório Ayres e Catelino Advogados Associados. Ele escreve às terças-feiras no Toda Bahia sobre temas relevantes do Direito. E-mail: tiago.ayres@gmail.com

04 de agosto de 2015, 07:30

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