quinta-feira, 28 de março de 2024

Ativismo legislativo: o reencontro do Parlamento consigo mesmo – por Tiago Ayres

O jornal O Estado de São Paulo, do dia 06 de junho de 2015, chamou a atenção para o que seria o mais contundente ativismo legislativo já visto na Câmara dos Deputados desde a década de 90.

Ressaltou que tal fenômeno seria sobretudo derivado da inércia do Planalto e da invulgar energia despendida pelo atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, para ver aprovados os projetos sob sua condução.

O ativismo mais conhecido (ao menos no campo doutrinário) é o judicial, que consistiria na postura proativo de interpretar a Constituição, alargando o seu sentido e alcance, manifestada, mais comumente, em circunstâncias de acanhamento do Poder Legislativo, inviabilizando que as demandas sociais sejam capturadas, com a necessária precisão, pelos representantes do povo.

A ideia, de maniera a mais direta possível, seria a de que diante da velocidade dos fatos da vida, e da incapacidade do Poder Legislativo prever em lei toda a complexidade e riqueza das transformações sociais, tocaria ao Judiciário, sempre atento aos valores constitucionais, fixar, nos casos concretos a ele submetidos, o alcance e sentido das normas, priorizando e garantindo a máxima efetivação dos direitos.

Mas a ideia do ativismo legislativo, diferentemente do judicial, é algo que soa alvissareiro, afinal, justiça seja feita, as únicas coisas que sempre chamaram a atenção do povo brasileiro, relativamente à Câmara dos Deputados, são o seu não raro inativismoe a sua constrangedora indolência.

Vê-se, portanto, que pela primeira vez nos ultimos anos a Câmara dos Deputados passa a ser centro das atenções e alvo diário da mídia nacional. E o mais incrível: a conquista dos holofotes ocorre exatamente porque o Poder Legislativo tem sido mais legislativo do que nunca, não se restringindo a apenas garantir governabilidade, o que apequena o seu gigante papel constitucional.

Ainda que plenamente criticável, sobretudo quanto à sua condução,  a reforma política tem sido enfrentada com energia pela Câmara dos Deputados, sem olvidar da polêmica extensão das hipóteses de terceirização da mão de obra pelas empresas. Ademais, muito provavelmente outros temas polêmicos ainda serão apreciados, tais como a redução da maioridade penal e a fixação de novos critérios para a nomeação de dirigentes de estatais.

Portanto, o que se espera é que esse ritmo acelerado que tem ditado a performance do Legislativo Federal seja absorvido em definitivo pela cultura parlamentar brasileira, compreensivelmente desacreditada e historicamente distanciada das aspirações do povo brasileiro. Que o ativismo legislativo seja eterno e que dure para sempre.

Tiago Ayres é advogado, mestre em Direito Público pela UFBA, professor da Pós-graduação em Direito Público da Faculdade Baiana de Direito e sócio do Escritório Ayres e Catelino Advogados Associados. Ele escreve às terças-feiras no Toda Bahia sobre temas relevantes do Direito. E-mail: tiago.ayres@gmail.com

09 de junho de 2015, 08:00

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