terça-feira, 23 de abril de 2024

A reforma política padrão FIFA – por Tiago Ayres

Nesta ultima semana, dois fatos igualmente preocupantes mereceram toda atenção da sociedade brasileira: a (não) reforma política, conduzida à mão de ferro, pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e o escândalo da FIFA, inclusive com a prisão, pela polícia federal americana (FBI) do ex-presidente da CBF, e atual membro do comitê organizador do torneio de futebol da Olimpíada do Rio, José Maria Marin.

Em comum, os dois episódios revelam uma desconcertante obviedade: não se reformaria com profundidade as regras da rasa política brasileira, nem se esperaria jogo limpo por parte de uma entidade (a FIFA) que parece ter como modalidade esportiva predileta o disciplinado exercício da corrupção.

Fato é que o pouco caso para com o interesse público é evidente em ambas as situações. E não se alegue que a FIFA, por ser instituição de natureza privada, estaria desobrigada de qualquer juízo de interesse público, afinal interesse público e interesse estatal não são necessariamente coincidentes. Em resumo: a FIFA se incumbe da organização e disciplina, em nível mundial, de um dos esportes mais amados no planeta, fortemente ligado à vida de milhões de pessoas.

E o que se dizer do jogo que se desenvolve no irregular campo do Congresso Nacional? A (não) reforma política, cujo conteúdo é desconhecido do povo brasileiro, deveria ter sido aprovada, se dependesse exclusivamente da vontade do presidente Eduardo Cunha, no aligeirado tempo da sua ampulheta.

De significativo, entretanto, merecem destaque dois pontos da reforma, aprovados na Câmara, mas ainda pendentes de apreciação pelo Senado Federal: o fim da reeleição, a aprovação de doação de empresas para partidos políticos e a manutenção do sistema proporcional.

A reeleição foi um dos maiores equívocos da história político-jurídica recente. A Emenda Cosntitucional nº 16/97 foi escancaradamente casuística, ferindo de morte o caro princípio do republicanismo, que tem na oxigenação da política uma de suas ideias fundamentais.

A perpetuação na chefia do Executivo, em linhas gerais, desvirtua o tempo reservado ao mandato, tendo em vista que os quatro primeiros anos são vistos apenas como um meio de pavimentar os próximos quatro anos. E é precisamente em razão de tal propósito que o abuso do poder político e a prática de condutas vedadas no exercício do cargo se exasperam, comprometendo a propria lisura do processo eleitoral, o equlibrio de forças entre os candidatos e a liberdade de voto dos cidadãos.

No respeitante ao financiamento de empresas a partidos, houve um acerto. O financiamento público não é certeza de moralização da política, antes figurando como meio adequado ao fortalecimento da prática de caixa dois. Aliás, se a doação de empresas fosse interditada, os partidos passariam a custear seus candidatos com recursos públicos, especialmente com aqueles provenientes de doações feitas por pessoas jurídicas nos ultimos anos. Seriam larga e desproporcionalmente beneficiados os partidos que mais receberam tais recursos nos ultimos anos.

Quanto à manutenção do sistema proporcional, importante sublinhar que o PMDB, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o vice-presidente da República, Michel Temer, trabalhavam pela aprovação do “distritão”, modelo pelo qual os deputados e vereadores seriam escolhidos em eleição majoritária. Seriam eleitos, assim, os candidatos mais votados em cada estado ou município, sem levar em conta os votos para o partido ou a coligação.

Sorte a do povo brasileiro que Eduardo Cunha teve menos poder do que bravejava ter. O sistema proporcional garante o pluralismo político, prevista na Constituição Federal, art. 1º, V, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Ou seja, o sistema proporcional, que garante a projeção no parlamento das diversas parcelas do pensamento nacional (assegurando vez e voto às minorias) não poderia ser substituido por outro sistema (distrital, por exemplo), apenas visando garantir maior governabilidade, pois esta não é uma preocupação constitucional.

Enfim, a reforma política, com a robustez e profundidade esperadas e necessárias, não aconteceu. Com exceção do fim da reeleição, pode-se dizer que tudo o mais foi muito pequeno diante da expectativa que se criou. A impressão que se tem é que mais uma vez o povo brasileiro se deixou enganar pela forma como se joga a política neste país do futebol: com muita firula, mas sem bola na rede. Viva a reforma política “padrão FIFA”. E que a FIFA seja reformada!

Tiago Ayres é advogado, mestre em Direito Público pela UFBA, professor da Pós-graduação em Direito Público da Faculdade Baiana de Direito e sócio do Escritório Ayres e Catelino Advogados Associados. Ele escreve às terças-feiras no Toda Bahia sobre temas relevantes do Direito. E-mail: tiago.ayres@gmail.com

02 de junho de 2015, 08:15

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