sexta-feira, 29 de março de 2024

A pedalada moral – por Tiago Ayres

O verbo “pedalar” usualmente é utilizado pelos técnicos do orçamento público como sinônimo de postergar uma despesa. Segundo noticiado pela mídia nacional nos últimos dias, tal verbo teria sido conjugado, com larga frequência, na voz ativa, pela equipe econômica comandada por um ex-ministro da Fazenda nos últimos dois anos. Mas parece que também se tem adiado o compromisso com a moralidade na condução das contas públicas.

Deparando-se com robustas dificuldades para arrecadar, e sem conter gastos, o governo teria identificado no adiamento de despesas de um mês para outro uma forma de melhorar as suas estatísticas. Assim, o resultado fiscal de um mês acabava parecendo melhor do que verdadeiramente era.

É certo que seria absolutamente equivocado lançar-se algum juízo de culpabilidade sobre os técnicos e eventuais autoridades que tenham contribuído para a prática de tais manobras fiscais, afinal de contas tudo dependerá das próprias informações a serem apresentadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), bem como dos depoimentos a serem prestados pelos supostamente envolvidos.

Fato é que a conduta pode configurar, a um só tempo, fato tipicamente criminoso e ato de improbidade administrativa, haja vista, caso confirmada a pedalada, o flagrante desvio de finalidade no manejo orçamentário.

O Ministério Público Federal em Brasília, que já havia instaurado inquérito para apurar eventual prática de ato de improbidade pelos membros da equipe econômica, agora cogita iniciar procedimento criminal, tendo, inclusive, requisitado cópia do inquérito que apura os atos de improbidade.

De fato, as manipulações fiscais, verdadeiras operações de crédito tácito, podem, sim, configurar crime, uma vez que o Código Penal, em seu art. 359-A, proíbe “ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito, interno ou externo, sem prévia autorização legislativa”.

Isso sem falar, é claro, que uma vez demonstrada a efetiva realização de tais atos, dúvidas não restarão quanto à violação do princípio da moralidade administrativa, expressamente insculpido na Constituição Federal de 1988, art. 37, incompatível com qualquer “maquiagem”fiscal, prática que, além de configurar crime contra as finanças públicas, revela o desprezo e pouco caso para com o dever de não trair as expectativas depositadas pelos administrados na atuação estatal, que, ao menos em tese, confiam que o orçamento público está sob os cuidados de equipe séria e tecnicamente preparada.

Toda e qualquer atuação do Poder Público deve ter como centro gravitacional o princípio da moralidade administrativa, compreendido como o dever de agir com retidão, boa-fé e transparência nas relações com os bens e interesses públicos, dentre os quais inclui-se a integridade das finanças públicas.

Evidente, destarte, que a pedalada não é apenas fiscal, ela é sobretudo moral. E qualquer manobra contra a moralidade na condução das finanças do Poder Público pode significar uma barbeiragem do tamanho do rombo nas contas públicas brasileiras.

Tiago Ayres é advogado, mestre em Direito Público pela UFBA, professor da Pós-graduação em Direito Público da Faculdade Baiana de Direito e sócio do Escritório Ayres e Catelino Advogados Associados. Ele escreve às terças-feiras no Toda Bahia sobre temas relevantes do Direito. E-mail: tiago.ayres@gmail.com

16 de junho de 2015, 08:30

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