quinta-feira, 28 de março de 2024

A pauta-bomba de Eduardo Cunha e a política kamikaze – por Tiago Ayres

Nada chamou mais a atenção dos brasileiros nos últimos dias do que a tal “pauta-bomba” de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados. Assim como o deputado jura de pé junto que a sua declaração de desalinhamento do governo seria uma decisão unilateral, e que não seria uma ameaça, também afirma que falar em “pauta-bomba” seria um excesso. O ritmo que passou a imprimir na Câmara seria apenas reflexo do seu compromisso com os interesses nacionais.

A verdade é que a performance atual da Câmara dos Deputados, com um vigor jamais visto, é projeção direta de uma postura pessoal do presidente da Câmara dos Deputados consistente em, tal qual fizeram os pilotos kamikazes contra navios aliados no final da Segunda Grande Guerra, realizar ataques suicidas, levando aos ares da República não só os destroços da economia brasileira, mas também as migalhas de esperança dos brasileiros de poderem contar, no atual momento de crise institucional, com agentes públicos verdadeiramente comprometidos a contribuir para a sua superação.

Os kamikazes, kami significando “deus” e kaze, “vento”, invariavelmente traduzido como “vento divino”, assim como o presidente Cunha, também executavam uma “pauta-bomba”, com uma grave coincidência: da mesma forma que a pauta dos japoneses de então, a de Eduardo Cunha também é manifestamente suicida.

Desde que se noticiou a suposta cobrança, por parte do parlamentar, de propina de US$ 5 milhões para implementar contratos junto à Petrobras, o presidente da Câmara, usou a tática de defender-se atacando, no caso o Executivo, e começou a confeccionar uma pauta-bomba-guiada cujo alvo seria o Palácio do Planalto.

Assim é que Cunha autorizou a criação das CPIs do BNDES e dos Fundos de Pensão e, por agora, envida esforços para escantear o PT do comando dessas comissões e para entregar a presidência ou a relatoria de uma delas à oposição. Outra estratégia de Cunha consistiu em despachar 12 pedidos de impeachment da presidente Dilma.

Ademais, não se pode esquecer que o parlamentar pautou para agosto a votação de todas as prestações de contas do governo, afastando obstáculos para a análise das contas de 2014 de Dilma, sob os cuidados do Tribunal de Contas da União.

Ocorrerá, ainda, na próxima sessão do Congresso, a deliberação de vetos a projetos com potencial de grave impacto nas contas públicas, como o que altera o fator previdenciário. Enfim, a artilharia é pesada, o alvo é claro, mas a execução parece suicida.

E aqui, quando se fala em pauta suicida, não se quer defender o governo da franca artilharia de Cunha. Há muitos brasileiros, aliás, que se deliciam ao ver o chefe do Legislativo encurralar o Executivo, e dele, com larga frequência, tripudiar.

O problema, na verdade, não está no conteúdo das decisões e posturas de Cunha, não reside nas suas convicções e argumentos políticos, mas sim na filosofia que orienta a sua movimentação num momento em que tudo o que o país menos precisa é de um chefe do Legislativo com espírito kamikaze, ou seja, crente nas suas próprias razões, certo da sua salvação, mas com alto risco de explodir a República.

Tiago Ayres é advogado, mestre em Direito Público pela UFBA, professor da Pós-graduação em Direito Público da Faculdade Baiana de Direito e sócio do Escritório Ayres e Catelino Advogados Associados. Ele escreve às terças-feiras no Toda Bahia sobre temas relevantes do Direito. E-mail: tiago.ayres@gmail.com

28 de julho de 2015, 07:30

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