terça-feira, 16 de abril de 2024

A história e o Camisa de Vênus – por Pacheco Maia

Foto: Divulgação

“A história se repete como farsa”. Eta chavão retado, repetido ad nauseam por tanta gente que nunca leu o ensaio “O 18 de Brumário de Luiz Bonaparte”, de Karl Marx. Como eu prefiro o comediante americano Grouxo Marx (“Eu não frequento clubes que me aceitem como sócio”) ao intelectual alemão, não espere de mim ficar aqui a tecer elucubrações sobre as Teses de Feuerbach.

Não resisti, no entanto, em começar esse texto com essa frase intelectualóide, por causa do ressurgimento do Camisa de Vênus nesse momento de transição nacional. Assim como nasceu na velha cidade da Bahia em 1980, quando o Brasil vivia os estertores da Ditadura Militar, de onde brotaria a campanha pelas Diretas Já e uma carcomida Nova República, a banda liderada pelo baiano Marcelo Nova está de volta a todo vapor.

No último sábado, Marceleza, Robério Santana e o trio que deu nova vida ao som da banda, Drake Nova, Leandro Dalle e Célio Glouster, voltaram a Porto Alegre para mais um show antológico e o registro em DVD desta nova fase do grupo. No Auditório Araújo Vianna, onde estiveram em 1984 numa apresentação histórica e marcante na carreira do Camisa, novamente milhares de gaúchos comungaram com o profano rock and roll em êxtase total.

Como diz Miguel Cordeiro, o expoente das Artes Plásticas na Bahia, assim o denominou Marcelo Nova no último show da Concha e eu assino embaixo: “Na surdina, o Camisa de Vênus volta a arrebanhar multidões com o melhor show do Brasil”. Quem foi vê-los na apresentação que fizeram em Salvador no dia 18 de agosto tem plena convicção disso.

Só quem foi à Fonte Nova no tempo do Bahia de Nadinho, Biriba, Marito, Alencar, Mário, Léo, Sanfilippo, Eliseu, Buticce, Roberto Rebouças, Baiaco, Romero, Douglas, Beijoca, Jésum, Jorge Campos, Bobô, Paulo Rodrigues, Zé Carlos e Charles pode ter ideia da catarse que se viveu naqueles momentos. Uma goleada de emoções!!!

“A história se repete como farsa”. A frase que Marx reproduz do outro alemão Hegel completa é “a história se repete: a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. Como disse não vou elucubrar sobre ela. Só vou expor o meu ponto de vista para justificar a sua associação ao Camisa e ao momento nacional. Existem as coincidências, mas o momento e as circunstâncias são outras.

Talvez o uso do termo “farsa” seja apropriado à mania de Marx ver por trás de tudo alguma armação da classe dominante. Mas não é assim que o interpreto no contexto apresentado. A farsa é o engendramento do Senhor Tempo.

Primeiro porque o próprio Camisa não está se repetindo nem na formação, muito melhor. Os clássicos, claro, não morrem e precisam ser sempre tocados. E, no novo disco “Dançando na Lua”, há canções que retratam a nova realidade.

Pra ficar só numa delas, “Raça Mansa” coloca em miúdos o “Homem Cordial”, do historiador Sérgio Buarque de Holanda, o pai de Chico: “Nós dançamos a dança/Nós cancelamos a luta/A nossa raça é mansa/A nossa massa é bruta/Nós vivemos de esperança/Nós pagamos as putas”.

Já diziam os chineses, “uma imagem vale mais do que mil palavras”, pois imaginem um vídeo do Camisa. Vejam e tirem suas conclusões da performance em Porto Alegre:

Pacheco Maia é jornalista, vencedor do Prêmio Banco do Brasil de Jornalismo 2001 e colunista do Toda Bahia. E-mail: pacheco.maia@todabahia.com.br

25 de outubro de 2016, 07:30

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